
Giovanna Henrique Marcelino
“Reprodução social” é um termo trabalhado por teóricas marxistas provenientes de diferentes linhagens políticas (do feminismo autonomista italiano e o feminismo socialista europeu e norte-americano às correntes autonomistas na América Latina). Ele se refere à noção da reprodução da vida humana como uma condição primária da organização social, estando associado aquilo que Karl Marx inicialmente chamou de “reprodução da força de trabalho”. Tendo em vista que o aumento da violência, a intensificação dos processos de espoliação de bens, recursos naturais e direitos da classe trabalhadora e, consequentemente, a deterioração das condições de vida são aspectos centrais da atual crise capitalista, este termo tem sido bastante resgatado no debate e nas lutas anticapitalistas nos últimos anos.
Em sua última edição especial, a revista norte-americana CLCWeb Compartive Literature and Culture dirige atenção especial à questão. O volume organizado por Cinzia Arruzza (professora de Filosofia da New School for Social Research em Nova York) e Kelly Gawel (pós-graduanda na mesma instituição) é composto por 9 artigos que versam sobre a questão da reprodução social em sua diversidade temática e política. O ponto de partida principal da coletânea é a reflexão sobre as múltiplas experiências comunitárias e territoriais de organização feminista que surgiram no mundo no último período em resposta à lógica predatória de acumulação capitalista (particularmente, o movimento internacional de greves feministas, que reuniu países como Argentina, Chile, México, Itália, Espanha, Suíça e Polônia). Nesse sentido, tratam-se de análises que informam e são informadas pela elaboração teórica e política advinda da emergência de um novo ciclo da luta feminista desde a eclosão da crise de 2008.
Com isso, as autoras perseguem dois objetivos principais. Em primeiro lugar, advogar pela politização dos lugares e dos trabalhos ligados à reprodução social (entendidos como tão importantes quanto aqueles vinculados ao âmbito da produção para se pensar a política de classes hoje), trazendo em relevo as diferentes lutas que emergiram em torno de demandas e necessidades reprodutivas (desde formas autônomas e locais de cuidado e de economia feminista até movimentos de massa como Ni una a Menos, a guerra da água em Detroit, as mobilizações da pandemia da covid-19). Em segundo, enriquecer em termos teóricos a teoria da reprodução social a partir da multiplicação de suas metodologias, práticas e temas. Entendendo que, nas condições atuais, o trabalho de reprodução da vida é notadamente generificado, racializado, sexualizado, assim como vinculado a fenômenos como imigração, a devastação dos recursos naturais, o racismo ambiental, a opressão feminina no âmbito familiar e doméstico, cada um dos artigos reunidos nesta edição contribuem para aprofundar a compreensão do caráter multidimensional (isto é, de gênero, raça, classe, sexualidade, nacionalidade) da reprodução social.
Em conjunto, os artigos nos oferecem, assim, uma constelação plural de abordagens críticas sobre o significado das lutas pela vida a nível internacional, além de instrumentos para refletir e agir sobre o presente. Nas palavras de Arruzza e Gawel em sua introdução à coletânea, “a política de reprodução social envolve tanto a crítica das relações sociais opressoras, de exploração e extração, quanto a reprodução de lutas capazes de atender às necessidades materiais e íntimas, e fomentar a alegria e o desejo revolucionários”. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que se constituiu historicamente como um lugar de opressão, a reprodução social também pode ser vista como um importante terreno da transformação social, capaz de sustentar, abrigar e gerar novas formas de resistência, em que as mulheres (pobres, negras, imigrantes) ocupam um papel central.

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