carta para tabata amaral

Beatriz Rodrigues Sanchez

Cara Tabata Amaral,

Terminei de ler o seu livro “Nosso lugar: o caminho que me levou à luta por mais mulheres na política” e me senti tocada pela sua história. Foram muitos os obstáculos que você teve que enfrentar, desde o suicídio de seu pai, quando você estava no primeiro ano da faculdade, até as diversas formas de expressão da violência política de gênero enfrentada por você e pelas mulheres da sua equipe durante a campanha. Queria te dizer que estamos juntas nessa luta por mais mulheres na política. No entanto, discordo de alguns de seus posicionamentos. Por isso, resolvi escrever esta carta para que possamos construir um canal de diálogo e de debate de ideias.

Em primeiro lugar, o discurso construído por você durante toda a narrativa do livro é o da excepcionalidade. Você teve ao longo de sua trajetória uma série de oportunidades que, como você mesma reconhece, a maior parte das mulheres no Brasil não teve e continua não tendo. Nesse sentido, é preciso levar mais a sério a discussão sobre o que você chama de “diversidade”, entendendo que as desigualdades de raça e de classe, além das de gênero, não podem ser vistas como um mero recorte ou variável de uma forma de desigualdade que seria mais genérica e inespecífica. Essas formas de opressão, como raça, classe e orientação sexual, são estruturais e marcam as experiências de vida das mulheres fazendo com que não seja possível acreditar no discurso da meritocracia nem do esforço individual.

Em segundo lugar, a visão que você adota na reconstrução das conquistas políticas das mulheres é bastante circunscrita, o que explicita o seu ponto de partida. O seu discurso se baseia na narrativa do feminismo dito universal. Como consequência, você acaba silenciando outras perspectivas de mulheres historicamente marginalizadas. Por exemplo, antes de enaltecer o movimento sufragista, como você faz, por que não lembrar os atos racistas perpetrados por ativistas que defenderam o direito ao voto das mulheres em detrimento do direito ao voto das pessoas negras?

Outro aspecto que me chamou atenção no seu livro foram as suas referências bibliográficas. No final do texto, momento em que você se dedica a aprofundar a discussão sobre mulheres na política, todas as autoras que você cita são dos EUA ou do Canadá. Entendo que isso tenha relação com a sua formação. No entanto, nós temos uma produção teórica riquíssima sobre o assunto no Brasil e nos demais países latino-americanos que podem contribuir bastante para o debate ao considerar as especificidades das nossas realidades. Nesse sentido, é fundamental que nossos saberes sejam de(s)colonizados. Tem cabimento, tal como você faz em sua análise, exaltar o trabalho de ONGs estadunidenses em países africanos, que partem muitas vezes de uma perspectiva civilizatória que pretende “salvar” as meninas e mulheres desses países supostamente menos igualitários, quando em nossas próprias realidades nos deparamos com formas profundamente violentas do machismo?

Além disso, uma das pautas mais polêmicas e fonte das principais críticas recebidas por você, é a questão sobre a participação de grandes empresários em sua trajetória. Mesmo que você não tenha recebido apoio direto de empresas, o fato de você ter participado de iniciativas como o RenovaBr e o Acredito, movimentos que, como você mesma afirma, foram criados por grandes empresários, não pode ser ignorado e suas consequências políticas muito menos. Quais foram as motivações políticas que levaram à criação desses movimentos? O discurso da “renovação”, muitas vezes, acaba sendo uma forma de esconder os reais interesses econômicos e políticos por trás dessas iniciativas.

Por fim, queria dizer para você que depois desses anos estudando o tema da representação política das mulheres aprendi que não podemos desvincular a presença feminina na política das ideias defendidas pelas representantes. Em outras palavras, não é possível que esvaziemos o debate sobre mais mulheres na política a ponto de elegermos mulheres que atuem frontalmente contra os direitos de outras mulheres e contra tudo o que vem sendo construído historicamente pelos movimentos feministas ao longo de décadas. Infelizmente, da forma como entendo, é esse o rumo que o debate sobre mais mulheres na política vem tomando. Do meu ponto de vista, temos que resgatar a trajetória dos feminismos realmente comprometidos com a igualdade e apoiar as candidaturas de mulheres dispostas a romper com as estruturas. Aí sim, vamos juntas, para defender um projeto de país que seja radicalmente contra qualquer forma de injustiça ou desigualdade.

Um abraço!

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