
Andrea Azevedo
Em outubro de 2019, antes do período intenso de protestos que ocorreriam em 2020 após a morte de George Floyd por um policial em Mineápolis, a pesquisadora Jodi Melamed (Marquette University) ofereceu uma aula ao Yale Center for the Study of Race, Indigeneity, and Transnational Migration que já demonstrava grande preocupação com o poder policial contra a população afro-americana, intensificada com o apoio do Governo Trump aos supremacistas brancos. Com o título “Operationalization Racial Capitalism: Administrative Power & Ordinary Violence”, a autora da obra Represent and Destroy: Rationalizing Violence in the New Racial Capitalism (University Of Minnesota Press, 2011), que analisa a governança racial no pós-guerra norte-americano até a Era Obama, argumenta como o Governo Trump e o Partido Republicano nos EUA constituíam um poder administrativo voltado a operacionalizar o racismo por meio tanto de ações cotidianas do poder executivo quanto pelo poder policial, fortalecendo o que a sociologia crítica, em especial de Ian Bruff, começara a nomear como “neoliberalismo autoritário”.
A pesquisadora retoma a abordagem de acumulação primitiva de Karl Marx para recordar que, por trás da aparência de origem do capitalismo de um acordo entre diversas partes, se escondia o assassinato, a dominação e a exploração racial que se realizara e garantira a acumulação primitiva por meio dos processos coloniais. Ela relaciona, desta forma, o colonialismo ao papel que continua a exercer a política nos Estados ocidentais, isto é, atuar na fabricação da ordem social. Lembra a pesquisadora, fundamentando-se em Marx, que os valores liberais ocultariam a intenção de garantir a acumulação capitalista, o que só seria possível pela manutenção da desigualdade, função esta destinada à força policial que atuaria de modo a assegurar a dominação das classes brancas pela vigilância da população pobre, negra e imigrante.
Partindo da análise das práticas de certos órgãos do Governo Trump, Melamed argumenta que o poder administrativo, cotidiano, que seria invisível e não sujeito à vigilância democrática da população, vinha atuando de modo a fortalecer as opressões raciais, de gênero e contra a pobreza, transformando a violência em atos administrativos e em ordenamentos sociais calculáveis e quantificáveis, permitindo tanto o aprofundamento do capitalismo por um tipo de governança transnacional como também ganhos pessoais para o patrimônio de Trump.
Com a derrota de Trump em sua corrida eleitoral à Casa Branca em novembro de 2020, resta saber, à despeito das análises esperançosas que tem surgido com a eleição de Biden, se o futuro presidente norte-americano conseguirá transformar o mecanismos administrativos autoritários e racializados em seu governo. À luz dessas preocupações futuras, vale a pena acompanhar à aula da pesquisadora.
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